Para passar de apenas mais uma opção de bebida para uma associação tão específica, a Coca-Cola primeiro precisou ter um sabor irresistível. Depois disso, a mente infantil, sempre propensa ao descontrole, arriscou transformar um apreço numa compulsão. Ou pelo menos, foi o que a minha mãe viu.
Bastou ela dizer “Parou. Só um copo. Isso faz mal” e o precedente estava estabelecido na nossa casa.
Meus pais, também conhecidos como Richard e Emily Gilmore, não são estranhos a regras. As imposições deles raramente se confundiam com meras sugestões. Assim, a proibição contra o excesso de Coca-Cola soava ao redor da mesa no almoço de domingo como uma trovoada. Eu tentava no domingo seguinte. E no outro. E no outro.
Eu investia contra essa determinação revirando os olhos, apertando os lábios e no geral, com o silêncio ressentido dos perdedores.
Até, porém, eu descobrir que podia virar o jogo.
Depois de a mesa ser limpa e meus pais se retirarem de cena, eu aproveitava a calmaria dominical do lar bem estruturado para transgredir a própria regra que eu parecera acatar de maneira tão amargurada minutos atrás.
Eu abria a geladeira.
Ali estava a garrafa. Ainda mais gelada. Ainda melhor.
Mas a consumação não acontecia ali. A aptidão auditiva dos meus detratores estava pronta para captar o silvo acusador que sairia como um gênio do mal aliado a eles, se eu torcesse a tampa.
Eu pegava um copo e corria para o quintal. Era lá, na lavanderia, com a visão do céu e as plantas como testemunhas, que eu entornava num dia bom, até uns três copos pequenos. Não podia demorar. Alguém poderia abrir a geladeira no meio-tempo e dar por falta da garrafa.
O hábito estava estabelecido. Até hoje eu acho que não havia suspeita da sua existência.
É por conta dele que, ainda hoje, quando porventura eu me deparo com a oportunidade de refrescar meu dia com uma Coca-Cola, um observador atento seria capaz de notar um brilho de desafio nos meus olhos. Para quem? Os desconhecidos podem apenas supor.
E esse poderia ser o final sublime desse relato, mas a verdade exige uma dose extra de complexidade (considere-a como uma rodela de limão e pedras de gelo). Ainda hoje, todo esse apreço pela bebida não abre caminho para um consumo desenfreado. A Coca-Cola nunca foi presença constante na minha casa, mas sim, uma visitante ocasional que sempre deixa os dias mais interessantes e carrega uma atmosfera de exotismo. Se por acaso eu me deparasse com essa mesma visitante largada no sofá todos os dias, sua própria excelência se racharia sob a repetição do cotidiano.
O que serve para dizer que, apesar da rigidez dos meus pais quanto a essa bebida doce como as promessas do diabo, a verdade é que talvez minha rebeldia juvenil não tenha sido páreo para a sensatez que eu acabei compartilhando. Quem sabe, no fim, eles também venceram. E quem sabe talvez, isso não seja inteiramente ruim.